terça-feira, 7 de setembro de 2010

"Reflexões em Terceira Pessoa"

(Auto-Retrato Ctrl+C Ctrl+V - Fotografia e Grafite)

“- Que coisa profundamente triste – murmurava Dorian – os olhos fixos no retrato. – Sim, profundamente triste!... Eu ficarei velho, aniquilado e hediondo!... Esta pintura continuará sempre jovem e bela. Nunca será vista mais velha do que hoje, neste dia de junho... Ah! Se fosse possível mudar os destinos; se eu pudesse conservar-me novo e essa pintura pudesse envelhecer! Por isto eu daria tudo!... Não há no mundo o que eu não estivesse disposto a dar em troca... Até a minha alma!...” (O Retrato de Dorian Gray)

Nunca me vi em nenhum de meus sonhos.
Me intriga o fato de meus sonhos serem sempre em primeira pessoa. Acredito que poucas coisas são mais interessantes do que observar a propria imagem; o proprio reflexo. Ver-se com os proprios olhos. Encarar-se e encarar o tempo. Encarar a mudança e a efemeridade inerente à condição humana.

Ultimamente tenho feito alguns auto-retratos, mas não gosto muito de me ver em fotografias. Compartilho um pouco da teoria dos antigos índios. Acho que, de certa forma, a fotografia aprisiona um pedaço da alma do fotografado. Aprisiona o fotografado em um instante específico do passado. Observar uma fotografia é obervar um passado imutável. Entretanto é preciso ter cuidado ao se contemplar algo estático.
Inúmeros Narcisos se afogaram em lagos de imagens e recordaçoes saudosistas. Inúmeros Dorians perderam as almas na busca pela perfeição que se esvai com o tempo.

Segue abaixo um pouco de passado. Outra postagem revisada do meu antigo fotolog. Foi escrita no dia em que embarquei pela primeira vez para Espanha.



“Embarco hoje (22/11/2007) pra Espanha. Devido a um imprevisto financeiro eu não comprei câmera fotográfica. Nada de fotos por enquanto. Providenciarei uma máquina na Europa.

Minha documentação está certa, minhas malas estão arrumadas (levo pouca bagagem, apenas o absolutamente necessário - exceto por uma pesada mala de presentes forrada de sabonetes natura e chocolates brasileiros) e eu já troquei meus reais por euros.

Eu vou, mas fica o lema do saudoso Jeremias: “EU NUNCA ME ARREPENDI!”



"Câmbio"


- Boa tarde, eu gostaria de comprar Euros. Qual é a cotação da moeda hoje?

- O Euro está cotado a 2 reais e 71 centavos para a compra, Senhor.

- Eu gostaria de comprar 1.200 Euros, por favor.
Após uma breve consulta à calculadora a atendente responde:

- São 3.252 reais, Senhor.

Retiro do bolso 3.252 reais e entrego o dinheiro a mulher. No total são 67 notas (65 notas com a figura da onça pintada e 2 notas com a figura do beija-flor).Após certificar-se da quantia a mulher retira da gaveta 12 notas de 100 Euros e as entrega a mim. As notas de 100 Euros são grandes, com tons de verde e azul, e possuem o desenho do Arco do Triunfo.

Enquanto analiso as 12 notas sinto alguém puxando a lateral da minha calça jeans. É um garoto de aparentemente oito anos.
Olho para o garoto, que continua agarrando minha calça, e me espanto ao reconhecê-lo. Ele sou eu com oito anos.

O garoto faz um sinal com a mão para que eu me aproxime. Ele quer cochichar algo no meu ouvido. Quando me agacho para ouvir e ele me acerta um tremendo tapa na cara.

O garoto, sério, me encara com os olhos fixos e com o dedo em riste diz:

- Seu imbecil! Você acabou de trocar 67 notas por 12, e ainda por cima repetidas! Chama a mulher e desfaz essa merda que você fez!

O garoto está irado e eu tento acalma-lo.

- Mas essas 12 notas valem a mesma coisa que as 67 que dei pra ela...

- Por acaso você, ou melhor, eu, vou parar de ter aula de matemática a partir dos 9 anos? Como que 67 pode ser igual a 12? – há um tom de sarcasmo na observação. Sempre gostei de observações sarcásticas.

- É por causa do valor da moeda. O nosso dinheiro é desvalorizado em relação ao Euro em função de aspectos sócio-econômicos complexos. Diga-se de passagem muleque, você vai estudar até os 25 anos e vai se formar em direito. – touché, garotinho insolente!

- Putz... direito? Ah não! Vou escolher outra faculdade. Direito deve ser chato pra porra. Vou é ser piloto de formula 1!

- Não vai não. Você vai desistir de ser piloto quando fizer 12 anos. – Garoto estúpido, acha que é dono da minha vida. Sei tudo o que vai acontecer nos próximos 17 anos da vida dele.

- Por que eu desisto de ser piloto? – o garoto parece intrigado com o futuro.- Isso não vem ao caso. O que quero esclarecer é que, por exemplo, o Dólar vale quase 2 vezes mais do que o nosso dinheiro, o real.

- Quem disse?

- Esse valor é ditado pelo mercado econômico, pela bolsa de valores, etc. É como se as notas fossem figurinhas. As notas como o Dólar e o Euro são mais raras que as notas de reais, e por isso você tem que dar 2 ou 3 notas de reais para cada nota de Dólar ou Euro.

- Tá bom, mas você deu 67 notas de reais e pegou só 12 notas de Euro! Você poderia ter conseguido pelo menos umas100 moedas! Que fossem 30 notas! Na escola, sempre que eu troco figurinha ou bolinha de gude o negócio é pau-a-pau. No máximo 2 por 1, se a figurinha for rara ou se a bolinha de gude for muito diferente. O que aconteceu com você? Ou melhor, o que aconteceu comigo? Trocar 67 por 12 é muita burrice! Tô vendo que eu vô envelhecer e ficar burro...

- Mas é porque depende do valor das moedas. 12 notas de 100 Euros valem mais do que 100 moedas de 1 Euro. E as 67 notas que eu dei pra mulher valem o mesmo que estas 12 notas.

-Pff... até parece. Pega de volta então. Quero ver se ela destroca. – o garoto sinaliza com a cabeça em direção a mulher do guichê, cruza os braços e me encara com um ar de desafio.

Garoto impertinente. Não posso parecer fraco perante mim mesmo. O que vou pensar de mim? Resolvo aceitar o desafio. Me volto para a mulher no guichê e digo que quero desfazer a compra.

- Infelizmente não é possível, Senhor.

- Porque não?

- Nós não “desfazemos” as compras, Senhor.

- Tá... então eu quero vender meus Euros.

- O preço de venda é 2 reais e 57 centavos, Senhor.

Isso totalizaria 3.084 reais. São 168 reais a menos do que eu tinha.
Olho para o garoto de 8 anos ao meu lado. Ele me encara com desprezo e conclui:
- Imbecil.”

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