sexta-feira, 23 de abril de 2010

"Inverno"


..........................................................(Canoa - Grafite)
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Fui morar na Espanha em novembro de 2007. Conheci parte de minha família (tios, primos e avós) em Madrid, Barcelona e Granada. Também conheci outras cidades e viajei por diversos países da Europa. Desde então não parei mais de viajar. Sigo sem previsão nem vontade de parar. O próximo destino? Ainda não sei. Levo a vida que quero mas tem dias que acho que "não sou eu quem me navega".
O texto abaixo foi publicado no meu fotolog, alguns dias antes do meu embarque para o velho mundo, e aqui sofreu mudanças pouco significativas (uma pequena revisão).
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05/11/07
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Escolhi ir pra ESPANHA.
Vou pra Espanha. Não sei o que esperar. Mas espero. É difícil lidar com a situação. Vou embora, mas ainda estou aqui. É duro estar aqui e saber que vou embora. É como se eu já não estivesse mais aqui. O problema é que eu também ainda não estou lá. Isso me deixa no meio de lugar algum. É um “momento gerúndio” na minha vida (estou “indo” – estou em algum lugar que não é nem o ponto de partida e nem o ponto de chegada). Não consigo fazer nada construtivo. Tenho cultivado paixões impossíveis e bebedeiras homéricas. Meu problema é que eu gostaria de viver todas as minhas possibilidades. Quero seguir todos os caminhos ao mesmo tempo. Quero ir em todas as direções. O problema é que eu só tenho uma vida. Tenho infinitos sonhos e vivo uma realidade. Todas essas coisas têm dificultado minhas escolhas. Escolher uma coisa é extremamente difícil. Escolher uma possibilidade é não escolher uma infinidade de possibilidades. Escolhi ir pra Espanha.É a vida que eu quero ter.
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Inverno
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Nasceu no dia 15 de julho e foi feliz na infância. Na adolescência teve muitos amigos e namoradas. Apesar da confusa adolescência, estudou. Passou no vestibular e foi para a cidade grande, crescer. Formou-se em direito. Tornou-se advogado. Arrumou um emprego que lhe pagava um bom salário. Comprou um carro. Iniciou um relacionamento estável com uma bela garota, médica. Planejou filhos e netos. Traçou um plano de carreira. Sonhou com o glamour de sua vida promissora. Sabia que era especial e que mudaria o mundo. Pensou que após cumprir seu destino poderia se aposentar na praia. Visualizou a própria morte, que ocorreria durante um sono profundo, em baixo de um edredom, em uma fria noite de inverno. Na segunda feira, dentro do ônibus, desistiu de tudo. Pediu demissão. Terminou o relacionamento. Vendeu tudo o que tinha. Mudou-se para a praia. Nas frias manhãs, surfava. Nas longas tardes, pescava. Durante a noite bebia pinga e jogava dominó. Conheceu uma morena que não tinha dentes. Casou-se e teve três filhos, que andavam nus, com o nariz cheio de areia e ranho. Morava em uma casa modesta, de um quarto, alugada. Surfava cada vez menos. Pescava cada vez menos. Bebia cada vez mais. Saiu novamente bêbado do bar. Contemplou o mar, velho amigo. Fechou os olhos, abriu os braços e deliciou-se com a brisa noturna. Trôpego, entrou em casa. As crianças choravam e sua mulher gritava. Sempre falta alguma coisa. Sentado em sua poltrona, em meio a escuridão, tentou sintonizar algum canal na televisão. Não havia sinal mas isso não era importante. Naquela pequena sala, iluminada apenas pela luz da televisão fora do ar, ouvindo gritos e choros, ele esboçou um tímido sorriso de satisfação, presente apenas no lado direito de sua boca. Era uma fria noite de inverno e ele tinha a vida que quis ter.

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